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Quando os livros de fantasia e magia vão além da varinha mágica

  • laurabmeirelles
  • há 5 dias
  • 4 min de leitura
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Quando você pensa em livros de fantasia e magia, o que vem à sua mente? Varinhas mágicas, feitiços decorados, escolas de magia? A fantasia nos oferece muito mais do que escapismo. Ela funciona como um espelho encantado que reflete sistemas filosóficos, espirituais e culturais profundamente enraizados em tradições reais.

O espelho mágico: quando a fantasia reflete o real

Em livros de fantasia e magia verdadeiramente complexos, cada sistema mágico carrega consigo uma filosofia de mundo. A magia não existe isolada, ela emerge de perguntas fundamentais sobre poder, natureza, fé e o lugar do ser humano no cosmos.

Pense em As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. A magia ali não é um truque de ilusão. É a manifestação de uma espiritualidade matriarcal conectada aos ciclos naturais, à Grande Deusa e ao sagrado feminino. Quando Morgana pratica seus rituais em Avalon, ela não está apenas conjurando, está exercendo uma visão de mundo onde o divino se manifesta através da natureza e das mulheres que a honram. Nessa obra, a tensão entre essa magia pagã e o cristianismo nascente não é apenas um conflito religioso, mas o choque entre visões de mundo: uma cíclica e plural, outra linear e hierárquica.

Já em As Crônicas de Nárnia, de C.S. Lewis, a magia funciona de maneira completamente diferente. Aqui, o fantástico serve como alegoria cristã. Muitos creem que Aslam não é apenas um leão mágico, mas uma representação do mistério da Encarnação divina. A magia profunda que ressuscita Aslam após seu sacrifício voluntário ecoa diretamente os temas de redenção, graça e amor sacrificial do cristianismo. Lewis não estava apenas escrevendo fantasia; estava usando a imaginação como ponte para verdades espirituais que considerava universais.

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Árvore de Família: resgatando o invisível

E quando a fantasia decide iluminar tradições que o mainstream esqueceu? É aí que encontramos obras como a trilogia Árvore de Família, de Rosane da Veiga Faria.

Nesta narrativa, a magia não vem de fontes mágicas tradicionais ou panteões amplamente divulgados. Ela emerge principalmente das mitologias bálticas, do folclore pomerano e das lendas wendish. Todas essas tradições resistiram silenciosamente nas memórias de imigrantes e nos rituais esquecidos. Quando três primas – Biba, Naara e Valentine – investigam uma maldição familiar que faz o pai de Valentine congelar inexplicavelmente, elas não estão apenas desvendando um mistério sobrenatural. Estão reconectando-se com uma herança cultural esquecida.

A magia em Árvore de Família funciona como portal para modos de ver o mundo que raramente aparecem na literatura brasileira. Por exemplo, o deus Triglav, com suas três cabeças representando céu, terra e submundo (ou passado, presente e futuro) não é mero ornamento exótico. É a expressão de uma filosofia eslava sobre tempo, natureza e sacralidade que desafia nossa compreensão linear ocidental. Os elementais de alta hierarquia, os Guerreiros Stella, a própria estrutura mágica do universo narrativo: tudo reflete sistemas de crenças autênticos de povos reais combinados com a imaginação da autora.

Por que isso importa?

Porque quando autores incorporam sistemas filosóficos e espirituais reais em seus livros de fantasia, eles não estão apenas criando mundos imaginários consistentes. Estão preservando memórias culturais, questionando hegemonias narrativas e oferecendo ao leitor a chance de expandir radicalmente seu repertório simbólico.

Em As Brumas de Avalon, a magia pagã nos convida a refletir sobre o apagamento histórico de tradições matriarcais e a demonização de espiritualidades conectadas à natureza. Em As Crônicas de Nárnia, a magia alegórica provoca questões sobre fé, razão e transcendência. Em Árvore de Família, os sistemas mágicos baseados em mitologias bálticas e pomeranas nos lembram que existem inúmeras formas de compreender o sagrado para além das narrativas que tradicionalmente dominam a fantasia ocidental.

Para onde olhar quando você lê fantasia

Da próxima vez que você abrir um livro de fantasia e magia, faça uma pausa. Observe o sistema mágico não apenas como ferramenta da trama, mas como filosofia encarnada. Pergunte-se: que visões de mundo este tipo de magia representa? Que cultura ou tradição espiritual está sendo honrada? Que perguntas fundamentais sobre poder, natureza e sagrado estão sendo exploradas através destes feitiços e rituais?

Você descobrirá que os melhores livros de fantasia não são aqueles com os sistemas mais elaborados, mas aqueles onde a magia pulsa com o peso de verdades filosóficas e espirituais reais. São os livros que nos convidam não apenas a imaginar mundos impossíveis, mas a repensar nossa própria relação com o sagrado, com a natureza e com outras pessoas.

Atravesse as brumas

A fantasia é, no fim das contas, um convite para atravessar brumas. Sejam as de Avalon, os portais de Nárnia ou as névoas que separam o mundo comum de Nerthus, o universo mágico de Árvore de Família. Mas ao cruzarmos essas fronteiras entre mundos, levamos conosco algo precioso: a chance de enxergar nossa própria realidade com olhos renovados, enriquecidos por filosofias e espiritualidades que, embora vestidas de fantasia, carregam verdades profundamente humanas.

Pronto para iniciar sua própria jornada pelas mitologias invisibilizadas? Conheça a trilogia Árvore de Família e descubra como a magia pode ser um portal para culturas que merecem ser relembradas. Entre no mundo da fantasia e se surpreenda com reflexões sobre cultura, espiritualidade e liberdade de pensamento.

 
 
 

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